quarenta e seis.

As soon as forever is through
I'll be over you



No começo, eras uma torre alta demais. Cinza, prata. Fria. Dura.
"Te amo" soava "segunda-feira". Me enervava.
Quis não me importar, fingi que consegui, por um bom tempo.

Até que. Entendi. Em algum momento qualquer, o azul-claro dos teus olhos brilhou d'um jeito diferente e eu vi, por um segundo, algo tão intenso, tão doloroso e tão lindo, que me perdi.

Quis te rasgar de cima abaixo, arrancar a carne que escondia o coração, colocar as mãos na tua alma e trazer à luz. Você era luz pra mim, como podia permanecer nas trevas? Eu tinha que ver por dentro. Eu achava que já tinha visto.

E, sinto muito. Num culto arcaico dum templo pagão, com os dentes e com as unhas, te feri tão fundo, tão forte, fiz um buraco na vida de tal forma que o sangue todo que saiu quase me afogou.

Descobri tanta raiva lá dentro, tanta tristeza, tanto medo, pensei em te deixar, pensei que era mais do que eu podia suportar, pensei que amor algum poderia te curar, pensei, pensei um monte de coisa. Pensei que talvez pudesse, eu, que eu talvez pudesse. Fazer. Ser. Alguma coisa. Tudo.

Esqueci que eu também tinha carne, que eu também tinha um coração escondido em algum lugar. Esqueci que eu também tinha minha mágoa guardada. Que eu tinha todo meu egoísmo, e toda a minha vergonha. Minha distração. Minha teimosia. Tudo antigo e fundo como teu passado.

Me fazendo de deus, te entronizei e adorei, e esqueci que Deus realmente existe. Cortei-te em pedaços, sem cuidado nem alivio, enquanto você me feria delicadamente, me ensinando o que me recusava a aprender.

Devia ter percebido o que estava acontecendo como percebi que te queria. Devia ter me dado conta de que não podia arrancar teu coração a força, que fora de ti ele deixaria de bater, que fora do teu corpo não valeria nada, que sem tua entrega espontânea não haveria sentido.

Eras uma torre tão linda, não consegui esperar. Havia o tempo de aguardar, mas eu ja tropeçava. Tão forte, tão adorável. Tão doce.

Agora, agora permanece imóvel. Eu me vou. Você foi minha cura. Minha salvação. Foi meu anjo, meu príncipe encantado, me mostrou o que eu achei que já tinha e nunca tive.

Irei, porque tenho que ir, porque preciso aprender, porque quero entender, porque ei de voltar, e fazer diferente.

Porque não tenho mais esperanças, porque minhas cartas de amor não tem som nem valor, porque por mais que eu tente, meu tempo ainda me sobra. Por mais que eu evite evitar te amar, não consigo pensar com tua presença quase real dentro de mim.

Então eu me vou, meu amor, e deixarei que Deus tome o que lhe pertence, que governe, que reine, que ordene, que ame.

Guardarei comigo uma sombra de fé e, quem sabe, seja o suficiente para um último milagre.

1 comentários:

Unknown disse...

Suspirei.
Como se já não fosse suficiente o bom escrever, ainda com uma tonelada de amor pra combustível.

Faz favor, mirinha!