escritor já nasce feito, não tem conselho que resolva

"A gente se mete a escrever porque não foi capaz de bater num motorista que nos afrontou na rua, porque não quebrou pratos num restaurante, porque não enfrentou um policial louco que xingou sua namorada, porque deixou que pegassem seu lugar na fila do cinema, porque não tem oficio nem beneficio, porque não é bom em matemática, porque não quer ser médico nem advogado, porque está irado, porque odeia as pessoas e quer insultá-las.

A gente se mete a escrever porque uma garota linda lhe disse que gostava de escritores, porque precisa de um álibi pra não trabalhar, porque isso o faz sentir-se superior, porque leu uns romances de caubóis e quer entrar na concorrência, porque é um caubói do Oeste, porque não tem voz, porque não tem ritmo, porque está farto de bater punheta, porque quer trepar com uma mulher, mas não sabe como, porque pensa que tem alguma coisa a dizer, porque sabe que o cinema é tempo perdido.

A gente se mete a escrever porque não sabe lutar boxe nem tem culhões para isso, porque para os impotentes de todo tipo não há outro caminho, porque todos os feios escrevem ou assassinam e a gente não é capaz de matar uma mosca, porque escrever dá importância, porque não há emoções mas insultos, porque na sua casa não tem televisão e o rádio quebrou, porque a mulher do vizinho é gostosa. A gente se mete a escrever porque não é o garoto esperto da rua nem o garoto forte nem o engraçado, porque é o garoto nada, porque não vale um tostão furado, porque apanha lá fora, porque sua mãe grita o tempo todo, porque não há ilusões nem luz no fim do túnel, porque sua mente voa baixo e nunca será outro Cioran, porque não tem coragem para saltar, porque se paralisa entre uma e outra intenção, porque era uma vez o amor mais tive que matá-lo.

O bom é que escrever não serve para nada daquilo que a gente quer. Escrever é um limite, uma dor, um defeito a mais. O bom é que depois de escrever a gente se sente péssimo. Nada mudou, tudo continua no seu lugar (menos você, maldito cabelo), Pelé não volta para o campo. O ruim é que você escreve e o Pambelé cai na lona, espancado por um gringo, um maldito gringo que esteve preso por bater na mãe. O ruim é que Pambelé não é a mãe do gringo e – por mais que você escreva – continua caído.

O bom é que você escreve e continua sonhando com a mulher do vizinho, sonha que agarra pelas orelhas e crava-lhe a rola. O ruim é que escrever não cura seus desejos assassinos, que assaltar um supermercado continua sendo um objetivo impossível. O ruim é que ainda deseja um amor inesquecível. O bom é que escrever é outra forma de cagar e se masturbar.

O ruim é que você lê os grandes autores, mas só Bukowski lhe diz alguma coisa. O ruim é que um dia a garota bonita toma conhecimento de que você escreve e não deixa que lhe meta fundo, até o outro lado da morte. O ruim é que escrever serve para tudo aquilo que você não quer."

(Era uma vez o amor mas tive que matá-lo, de Efraim Medina Reyes. Trechos selecionados por moi, e grifo próprio, claro.)